O campo progressista precisa propor, de forma concreta, objetiva e viável, o que se espera das polícias e dos sistemas de justiça e prisional e oferecer caminhos para lidar com o medo e com as demandas por ordem da população sem abrir mão das pautas de enfrentamento ao racismo e à violência policial.
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A discussão sobre a militarização no Brasil durante o governo de Jair Bolsonaro passa, sobretudo, por dois aspectos: a militarização do governo civil e a militarização da segurança pública. Em relação ao primeiro, é preciso ressaltar que a eleição do presidente Bolsonaro reforçou o entrelaçamento das Forças Armadas com o poder civil no Brasil. Quando assumiu o governo, ele nomeou 8 oficiais das Forças Armadas como ministros, mais do que os cinco principais presidentes do período militar, nas décadas de 1960 e 1970. Além disso, a presença de representantes das Forças Armadas na administração federal saltou de 370 em 2013 para 1.085 em 2021 e somente na gestão de Bolsonaro, o aumento foi de 70%.
Essa presença marcante de representantes das Forças Armadas gera uma militarização do governo que não é desejável sob nenhuma hipótese, especialmente num país cuja história é marcada por fortes ditaduras militares. O acirramento político que o Brasil vive hoje se dá em grande parte na polarização direita versus esquerda e na frequente tentativa promovida por Bolsonaro de deslegitimação do processo eleitoral e das urnas eletrônicas. Esse ataque às urnas e às instituições tem contado com a adesão de militares do governo e fora dele, questionando o Tribunal Superior Eleitoral e reivindicando uma exacerbada (e não desejável) participação militar no processo eleitoral
Já a militarização da segurança pública é composta por diferentes características[1]. A presença de militares em postos estratégicos de governo e a submissão de polícias às Forças Armadas são dois exemplos. Mas a característica mais emblemática tem sido o uso de forças militares para as atividades de segurança no cotidiano das cidades.
Esse deslocamento das funções das Forças Armadas é um problema por algumas razões. Em primeiro lugar, a missão das Forças Armadas é a garantia da defesa nacional, enquanto a segurança pública busca proteger o cidadão e a garantia de sua vida e liberdade. São missões bastante distintas e que demandam formas de atuação diversas e até mesmo opostas. A lógica da defesa nacional é muito mais próxima da lógica de guerra e de combate ao inimigo. Já a lógica da segurança pública deveria ser a da manutenção da ordem e da administração de conflitos, prevenção de crimes e violências e aplicação da lei. A formação, os procedimentos, as cadeias de comando, as tomadas de decisões, são todas muito distintas nos dois casos.
A banalização desse emprego leva a lógica de guerra para a segurança pública cotidiana, gerando graves violações de direitos humanos, ineficiência nas atividades de segurança pública e acarretando prejuízo para as próprias Forças Armadas, empregadas em atividades para as quais não são preparadas.
As consequências negativas desse emprego podem ser exemplificadas no caso brasileiro de abril de 2019, em que um músico, Evaldo, e um catador de latas, Luciano, foram mortos no Rio de Janeiro por mais de 200 tiros disparados por uma guarnição do Exército contra o carro em que estava o músico e sua família, sob a alegação de que o veículo havia furado o bloqueio[2].
Outra dimensão importante é a própria militarização das polícias. Mesmo polícias de natureza civil acabam reproduzindo aspectos militares nocivos para os direitos humanos e para a própria segurança pública. O recrudescimento da violência policial por meio da letalidade policial, a prática de tortura e outros tipos de violência nas abordagens, a ideia de “fazer justiça com as próprias mãos” para dar fim ao inimigo, tudo isso é dimensão importante que marca essa militarização das forças de segurança. É também muito comum que dentro das próprias polícias os departamentos mais valorizados sejam os das tropas especializadas, destacadas para agir em situações específicas, o que demanda treinamentos e procedimentos especiais, geralmente vinculados ao ethos guerreiro, inclusive com fardamento que remete a um militarismo exacerbado. Essas polícias são muito mais valorizadas que o patrulheiro do dia a dia, aquele que interage com o cidadão, na maioria das vezes, sem sequer pegar em armas. Essa excessiva valorização é parte importante da militarização das forças de segurança.
Um exemplo que ilustra bem essa militarização das forças de segurança foi a Operação Exceptis, realizada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro na favela de Jacarezinho, que deixou 28 pessoas mortas na incursão de cerca de 200 policiais armados para “uma guerra”, mesmo depois de o Supremo Tribunal Federal ter suspendido a realização de operações policiais dessa natureza nas favelas cariocas durante a pandemia. Aliado a isso, ganhou força no governo de Jair Bolsonaro a tentativa de aprovar no Congresso Nacional a “excludente de ilicitude”, que acaba por tornar legítimas todas as mortes praticadas por policiais em confrontos.
Esses são desafios importantes para o/a futuro/a presidente do Brasil e especialmente para o campo progressista[3]. Para fazer frente a eles, é preciso considerar a segurança pública como agenda prioritária para o Estado e para toda a sociedade, propondo caminhos eficientes e que respeitem a democracia. Não podemos aceitar que os candidatos que assumam segurança pública como central sejam apenas os representantes das polícias ou da extrema direita.
O campo progressista precisa propor, de forma concreta, objetiva e viável, o que se espera das polícias e dos sistemas de justiça e prisional e oferecer caminhos para lidar com o medo e com as demandas por ordem da população sem abrir mão das pautas de enfrentamento ao racismo e à violência policial. Para reformar as polícias e o sistema de justiça, além da defesa incessante dos valores democráticos, de responsabilização e accountability, é preciso engajar também as instituições. A busca pelo diálogo com polícias, sistemas de justiça e prisional deve ser permanente, ao mesmo tempo em que estas instituições precisam se abrir à conversa. Por fim, é preciso retomar o controle civil do governo. Numa relação cordial e republicana, devolver as Forças Armadas às suas funções de origem. Não é simples, mas é possível.
Carolina Ricardo é advogada e socióloga. Diretora Executiva do Instituto Sou da Paz.
[1] Discussão sobre militarização da segurança extraída do texto: RICARDO, Carolina. Miilitarización de la Seguridad Pública. In: revista Por la Paz, mayo 2022, nº 40. Disponível em: https://www.icip.cat/perlapau/es/articulo/militarizacion-de-la-seguridad-publica/
[2] Esse caso é emblemático por muitas razões. A mais recente dela é que pela primeira vez os militares foram julgados e condenados em primeira instância pela justiça militar.
[3] Discussão sobre desafios para o campo progressista extraída do texto: RICARDO, Carolina. Da Insegurança ao Autoritarismo In: Revista Quatro Cinco Um, nov/2021, disponível em: https://quatrocincoum.folha.uol.com.br/br/artigos/laut/da-inseguranca-ao-autoritarismo
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